DOIS MANDAMENTOS INSEPARÁVEIS
No Evangelho deste domingo, 31º domingo do tempo comum, Jesus já se encontra em Jerusalém, após o difícil caminho com seus discípulos, que relutavam em aceitar sua messianidade, marcada pela disposição de amar e servir até as últimas consequências, a ponto de dar a própria vida. Se, no caminho, seus principais opositores foram os próprios discípulos, em Jerusalém serão as lideranças religiosas e políticas. Por isso, depois de uma entrada triunfante na cidade (Mc 11,1-11), logo surgiram os conflitos com as classes dirigentes e grupos influentes, começando pela denúncia contra o templo, transformado em covil de ladrões (Mc 11,15-19).
Durante sua curta estadia na capital, Jesus ensinava diariamente no templo. Enquanto isso, representantes dos principais grupos e movimentos político-religiosos faziam-lhe perguntas maliciosas, com o objetivo de vê-lo cair em contradição e, assim, antecipar sua condenação. O texto deste domingo narra uma discussão sobre a Lei, embora o interlocutor desse episódio não seja malicioso, como os anteriores.
Trata-se de um mestre da Lei, que fez a seguinte pergunta: “Qual é o primeiro de todos os mandamentos?”. É pergunta muito significativa e, ao mesmo tempo, complexa; em torno dela, giravam muitos debates nos círculos rabínicos da época. É significativa porque visa esclarecer qual mandamento deve ser observado com maior fidelidade; é complexa porque os rabinos tinham catalogado 613 preceitos na Lei. Entre os fariseus, por exemplo, predominava a opinião de que o mandamento mais importante era o preceito sabático, pois alegavam que o próprio Deus tinha guardado esse mandamento. Outros grupos consideravam todos os mandamentos iguais em importância, sem atribuir-lhes uma hierarquia.
Como sempre, a resposta de Jesus vai além do que lhe é perguntado. Para isso, ele recorre a duas passagens do Antigo Testamento (Dt 6,4-5 e Lv 19,38) e formula sua própria síntese, apresentando juntos o primeiro e o segundo mandamentos, como um projeto de vida que revela seu próprio jeito de viver. Assim, propõe o amor a Deus com toda a intensidade do ser da pessoa, em paralelo ao amor ao próximo como a si mesmo, como se fossem as duas faces de uma mesma moeda. O mandamento por excelência é o amor; e este só é verdadeiro quando é destinado simultaneamente a Deus e ao próximo. Talvez essa seja a maior novidade de todo o seu ensinamento.
Reconhecendo a maravilha da resposta de Jesus, o mestre da Lei também entra na sua dinâmica e acrescenta uma novidade, não como invenção pessoal, mas como interpretação da mensagem profética: amar a Deus e ao próximo, de forma inseparável, é superior a qualquer holocausto e sacrifício. Diante dessa resposta, Jesus reconhece a sensatez do mestre da Lei, declarando que ele não estava longe do Reino de Deus, ou seja, assentindo que ele tinha dado passos importantes para um possível seguimento no futuro. Essa declaração final de Jesus se torna emblemática, porque esse é um dos seus poucos encontros e debates com representantes da religião oficial que não terminam em conflito. Ademais, o episódio em si é também mais um passo importante da catequese de Marcos para sua comunidade: fora do grupo, há pessoas mais dispostas e abertas aos ensinamentos de Jesus do que seus próprios discípulos. (Revista Vida Pastoral, ano 62 – número 341 – pág.: 62-64)
Leonir Alves